Agricultores exímios, o povo Puyanawa, localizado na região do Vale do Juruá, em Mâncio Lima, possui uma história de luta e resistência. Vítimas do período de explosão da borracha e do caucho, bem como os demais povos indígenas do Acre, foram expulsos de sua terra e obrigados a trabalhar nos seringais. Sofreram com a sobreposição da cultura branca, sendo catequizados e educados em escolas, que proibiam a expressão de qualquer traço de sua cultura.
Nos anos 90, deram início ao processo de demarcação de sua terra, que foi finalizado em 17 de maio de 2000, com o apoio do governo da Frente Popular, liderado pelo então governador e hoje senador Jorge Viana. Há sete anos, decidiram reintegrar, de maneira mais incisiva, sua cultura, língua e costumes – massacrados no processo de evangelização da tribo.
Na Terra Indígena Puyanawa vivem 647 índios, atualmente. O território tem pouco mais de 24 mil hectares. Destes, apenas 1,5 hec foram abertos, desde os tempos dos seringais, e, hoje, são atualizados para agricultura. Anualmente, os puyanawa comercializam 500 toneladas de farinha de mandioca: principal fonte de renda de um povo que utiliza a mecanização para recuperar a área de produção, mantendo a floresta intacta e preservada, política pública que é à base do governo Tião Viana – em 2017 o Acre reduziu 34% do seu desmatamento ilegal (Inpe), ao mesmo tempo que elevou seu Produto Interno Bruto (PIB) em 81,2%, entre 2002 e 2015, ocupando a quarta posição no ranking de crescimento acumulado (IBGE).
A força, perseverança e organização do povo Puyanawa despertou a curiosidade do reitor da Faculdade de Direito da Universidade do Colorado (EUA), James Anaya, que acompanhado da mestra e doutora em antropologia cultural, Colleen Scanlan Lyons, e outros dois professores, estiveram nesta quarta-feira, 14, na aldeia Ipiranga, liderada pelo cacique Joel Puyanawa.
O encontro entre culturas teve como pauta a educação e a possibilidade de ofertas de cursos de extensão. Uma parceria entre o governo do Acre, Faculdade de Direito do Colorado e a Universidade Federal do Acre (Ufac) visa à oferta de qualificações nas áreas de direito humanitário, direito indígena, resolução de conflitos e desenvolvimento sustentável, além de vislumbrar, entre a federal acreana e a universidade norte-americana, intercâmbio na área de mestrados e doutorados.
“É impressionante ver como eles têm resgatado a sua cultura, nos últimos anos, depois de viveram uma história de opressão. Parabenizamos o governo pelo apoio que é dado a esta e outras comunidades. Apoio que tem se transformado em resultados, como pudemos ver aqui”
James Anaya
Reitor da Faculdade de Direito da Universidade do Colorado
Educação
Oriundos do tronco linguístico Pano, os Puyanawa enfrentam uma série de problemas ocasionados pela sobreposição da cultura branca sobre a indígena. O resgate de sua língua é uma das bandeiras de luta e resistência encabeçadas por eles, ao mesmo tempo em que buscam a inserção nas escolas de ensino público. Na TI Puyanawa do Barão, 29 índios possuem ensino superior e 178 concluíram o ensino médio.
Agregar os saberes e a história dos povos do Acre no curso de Direito da Ufac é uma quebra de paradigma e o reconhecimento da importância histórico-cultural dessas populações. A parceria institucional entre o governo do Acre, Colorado e a universidade acreana fortaleceu uma bandeira de luta dos povos indígenas do Acre, é que o observaram as lideranças dos povos Ashaninka e Huni Kuin, Francisco Pianko e Maná Kaxianawá.
“Temos muitos direitos assegurados, mas na prática eles não falam muito. Por isso, temos feito uma luta de movimento, atuando na sensibilização dos órgãos, bem como das universidades, para que compreendam que se a formação não leva em conta as práticas indígenas e o jeito de ser, a visão do índio é transformada e acaba não contribuindo com o nosso estilo de vida, pautado na proteção da floresta e afirmação de nossas identidades”
Francisco Pianko
Liderança Indígena
Maná destacou que “todo mundo tem direito, mas pouca gente conhece”, enfatizando em seu discurso a relevância de se discutir direito indígena, resolução de conflitos e desenvolvimento sustentável na Universidade Federal do Acre.
“As parcerias nos permitem aprender juntos: ambos ensinam e aprendem. Na área do Direito, precisamos ter mais acesso a conhecimentos, especialmente nessa aérea estratégica para a consolidação da nossa cultura”
Maná Kaxianawá
Liderança Indígena
Segundo o assessor de Assuntos Indígenas, o governo do Acre é o único no país que possui uma relação de parceria com as populações indígenas. “A visita do reitor à Terra Indígena Puyanawa demonstra essa vontade do Estado em desenvolver ainda mais as comunidades, melhorando a qualidade de vida dos índios acreanos”.
Produção sustentável
A junção de tecnologia e dos saberes tradicionais transformou os puyanawa em grandes produtores de farinha de mandioca, na região do Vale do Juruá. O Estado tem apostado na cadeia produtiva da mandioca que, anualmente movimenta uma economia de 300 a 500 milhões de reais.
Paralelamente, os puyanawa apostam no reflorestamento de áreas abertas, por meio do Programa Estadual de Fruticultura, que destinou à Terra Indígena 35 mil mudas, entre frutíferas e florestais. No local, três agentes agroflorestais recebem bolsa do governo para atuar como orientadores dessa produção sustentável.
“O governo tem atendido nossas necessidades. Ele não impõe nada, atende nossas necessidades, aquilo que apontamos como demanda e reivindicamos. Essa parceria fortalece a luta do Poyanawa, que se destaca como um dos povos mais produtivos. Aqui, nós temos uma produção de 500 toneladas de farinha/ano, sem desmatar, apenas utilizando a mecanização das áreas abertas, com apoio do governo e Embrapa, que nos orientam como trabalhar e produzir sem destruir a natureza”
Cacique Joel Puyanawa
Liderança Indígena
A segurança alimentar e a saúde dessa população é discutida por eles e pelo Estado, que implementou sistemas de abastecimento de água nessa região. Quatro poços artesianos abastecem a comunidade – o programa Água para Todos consiste na construção de poços, instalação de bombas e caixas d’água, coletas periódicas e orientação do uso racional dos recursos hídricos à sociedade.
Na visão da mestra e doutora em antropologia cultural pela Universidade do Colorado (EUA), Colleen Scanlan Lyons, o Acre é uma liderança mundial.
“Dentro da Força-Tarefa dos Governadores, temos 38 estados de 10 países, somente no Brasil são nove. O Acre se apresenta como um líder muito forte, pois possui um sistema de lei e regras que é a base da conservação do meio ambiente. Mas isso não é imposto de cima para baixo, é construído coletivamente”
Colleen Scanlan Lyons
Diretora do Projeto GCF (Força-Tarefa de Governadores sobre Clima e Florestas)
Cultura e identidade
Garantido pela Constituição Federal, o acesso à cultura é direito de um povo, lei fundamental e suprema de uma nação. Mas, é também, a primeira a ser suprimida em processos colonizadores. Os povos indígenas de todo mundo sabem muito bem o que é isso. A resistência em manter viva a cultura é uma das maiores bandeiras de lutas dos puyanawa.
Em 2017, os puyanawa promoveram o Primeiro Festival ATSÁ – nome da macaxeira na língua puyanawa –, que celebrou a cultura por meio da música, dança, pinturas corporais e rituais nativos. A segunda edição já tem data e será realizada entre 18 a 22 de junho deste ano.
O Acre reconhece a identidade dessas populações ao consolidar políticas públicas, que valorizam seus costumes. Por meio do Programa Global REM (REDD Early Movers – pioneiros na conservação), o governo destinou para a TI Puyanawa R$ 100 mil para a reforma da arena, onde são realizados festivais e intercâmbios, e mais R$ 160 mil no fortalecimento da cadeia produtiva da mandioca.
Magaly Medeiros, diretora-presidente de Instituto de Mudanças Climáticas (IMC), salientou que as ações governamentais visam fortalecer as áreas de cultura, saúde produção e educação, entre outras.
“Temos incentivado todos os povos indígenas do Acre e é nessa perspectiva de desenvolvimento que trouxemos a Faculdade de Direito da Universidade do Colorado aqui para consolidar essa parceria, que visa o desenvolvimento sustentável”
Magaly Medeiros
Diretora-Presidente de Instituto de Mudanças Climáticas
A resistência de sua identidade é um traço nítido do Povo Puyanawa. “A cultura é a sustentabilidade do nosso direito, da nossa vida. Ela quem nos identifica. É o nosso saber tradicional e espiritual, que nos dá o conhecimento e o valor de nossa essência. Sem cultura o povo não existe”, enfatizou o cacique Joel Puyanawa.