Cadê a força política da Amazônia? – artigo de Elson Martins

Nove governadores da Amazônia Legal participaram em Porto Velho (RO), nos dias 4 e 5, do 14° Fórum de Governadores, procurando soluções para problemas comuns de gestão. Na pauta do evento, foram priorizados os temas Segurança Pública, Meio Ambiente e Turismo. Mas Mudanças Climáticas e Transporte chegaram a roubar a cena. Entre os estados, entretanto, tem prevalecido a falta de sintonia.

A Amazônia Legal equivale a 60% do território nacional e compreende: Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins, parte do Maranhão e do Mato Grosso. É a maior fronteira de recursos naturais do planeta, possui 20% da água doce de todos os rios do mundo, um terço das florestas tropicais e tem a maior diversidade da vida animal e vegetal.

Todo esse rico bioma padece historicamente com a adoção de politicas erradas. Chegou ao ponto de não ser reconhecido como um só bioma, mas sim como várias amazônias, todas apresentando perdas irreparáveis de seu patrimônio natural. Nos últimos 40 anos, a região perdeu mais de um milhão de quilômetros quadrados dessa riqueza.

É senso comum entre os estudiosos que as perdas decorrem de uma histórica intervenção militar no planejamento regional. Essa tendência foi ampliada durante a ditadura de 1964, quando os militares, sem debate, planejaram o crescimento e desenvolvimento promovendo o saque e a destruição do bioma. Com o Plano Nacional de Viação (PNV) e o Plano de Integração Nacional (PIN) abriram caminho para a ocupação desordenada cujos males vemos e vivemos hoje.

De lá para cá tem ocorrido, prioritariamente, a instalação da pecuária e do agronegócio na Amazônia. E o estabelecimento de megaprojetos com capital internacional que promovem o saque das riquezas minerais. Como consequência, a grilagem de terras, a expulsão de famílias tradicionais, o extermínio de grupos indígenas e perdas irreparáveis ao meio ambiente. Tal política acabou por criar as “várias” amazônias.

Estados como Pará, Amapá e Maranhão são dominados por esses enclaves.  O maior deles é a Vale do Rio Doce, que já ostenta orçamento maior que o do Estado do Pará, onde se instalou. Alumínio, manganês, ouro, diamante, ferro – tudo escorre para os mercados internacionais sem valor agregado. São riquezas amazônicas que enriquecem outras praças e deixam o povo amazônico mais pobre.

Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e Roraima exploram minério, pecuária, soja e madeira de forma predadora. Produzem riqueza para fora do país. Com a Zona Franca o Estado do Amazonas, virou polo industrial de São Paulo e montador de produtos made in Estados Unidos, Europa e Ásia. Exporta madeira e material genético para o mundo, com prejuízos sociais e ambientais.

O Acre é um dos únicos estados que destoa do saque. Desde 1999, adota políticas preservacionistas sugeridas pelo movimento dos seringueiros liderados por Chico Mendes nos anos 1970/1980. É o único estado amazônico que possui credencial para ser compensado pela política de baixo carbono, recebendo apoio de bancos internacionais (KfW, Bird e BID). Possui status de “boa governança”, seguindo programa de sustentabilidade.

Não consegui ver se no encontro de Porto Velho algum governador apontou caminho para a sustentabilidade regional. Ou se criticou a situação desfavorável em que seu estado se encontra por conta das políticas destruidoras apoiadas pelas elites nacionais.

Crescimento e desenvolvimento são coisas diferentes.  O desenvolvimento só ocorre com a participação e melhoria de vida das comunidades autóctones.

As estradas de penetração que os militares abriram a partir dos anos 60 (BR-364, Transamazônica, Cuiabá-Santarém, BR-317) podem ter gerado algum crescimento, mas não desenvolvimento.

Cientistas e estudiosos da Amazônia apontam algumas das maldades perpetradas contra a Amazônia desde o início de sua ocupação. Primeiro com a exploração da borracha e da castanha. As atividades, principalmente a borracha no fim do século 19 e começo do século 20, enriqueceram cidades nacionais como São Paulo e Rio de Janeiro e fizeram alguma melhoria em Manaus e Belém. Mas a maior riqueza foi para Europa e Estados Unidos.

Hoje a situação de exploração permanece: as hidrelétricas construídas ou projetadas na Amazônia produzem energia para os enclaves como Vale do Rio Doce (no Pará) e para o Brasil desenvolvido no Sudeste. Toda a parte desenvolvida no país, no Sul e Sudeste, dependem do bioma amazônico. As populações, as atividades agrícolas e o próprio agronegócio não sobreviveriam sem os “rios voadores” que se formam na Amazônia e são levados para lá, caindo na forma de chuva. Um fenômeno que depende da aspiração e transpiração da água processadas por árvores (uma árvore adulta chega a lançar, diariamente, de 300 a mil litros de água na atmosfera).

Vê-se, então, que a Amazônia fornece de graça, mas com altos custos ambientais, energia e água potável para o Brasil desenvolvido do Sul e Sudeste.  Não seria justo compensar a região por esse serviço?

Durante a ditadura, os militares que abriam as veias (estradas) de penetração na região com custos monumentais argumentavam que estavam daquela forma “conquistando” um novo país – a Amazônia. Para quem, e de que forma? Talvez agora os governadores, os políticos, os estudiosos, o povo de um modo geral passam planejar uma “conquista” sustentável, de verdade, com grande força política e comunitária, para o bem do país e do mundo, mas também para nós, amazônidas.

 

Texto: Elson  Martins/Secom
Foto: Sergio Vale/Secom